As restrições contra o covid-19 que instituíram regras rígidas de isolamento como a separação das famílias, potencializaram a sensação de que o governo central chinês não vai aliviar as medidas restritivas da Pandemia que já dura mais de 3 anos. As empresas europeias em Hong Kong, começam a planejar um remanejamento das suas operações para outros países. As medidas adotadas para conter a epidemia estão entre as mais rigorosas do mundo, desestimulando empresas e colaboradores no coração financeiro da Ásia.
Cerca de 25% das multinacionais baseadas em Hong Kong pretendem deixar o território no próximo ano de acordo com a pesquisa realizada pela Câmara de Comércio Europeia. Outras 24% planejam mudar parte das operações e 34% estão avaliando as possibilidades. Apenas 17% não tem intenção de sair. A pesquisa reflete a perda de confiança no estado do bem estar social local, em um lugar que outrora teria uma população vibrante e cosmopolita. As medidas de prevenção incluem quarentena em hotéis de até 21 dias, hospitalização obrigatória para positivados e isolamento forçado.
Um número impressionante de pessoas deixou Hong Kong nos últimos meses, desde que a cidade foi atingida pela severa onda de covid. O número de emigrantes aumentou nos últimos anos, de acordo com dados do departamento de emigração. A saída aérea é a escolha mais comum, respondendo por 83% das partidas de domingo. Hong Kong enfrenta um número recorde de infecções diárias e mortes. E aqueles que precisam voltar, enfrentam longos períodos de quarentena até estarem aptos à vida normal.
Locais e expatriados deixam Hong Kong na medida em que o governo combate o surto de covid com testes em massa e lockdown. As escolas permanecem fechadas e os restaurantes têm restrições de horário. Singapura é a principal rota de saída. A população de Hong Kong encolheu cerca de 23.600 pessoas em 2021. De acordo com o governo, o declínio em parte é devido ao número menor de pessoas que entraram para trabalhar e/ou estudar como fruto da rigidez e burocracia de fronteira. Mas não é só a covid que está desmotivando o cidadão comum.
“Olhando para a participação entre nossa base de membros, o resultado deve servir como um forte alerta de que os últimos anos afetaram sobremaneira a comunidade empresarial e a confiança da comunidade europeia”, disse Frederik Gollob, presidente da câmara europeia. E emendou: “Apesar dos anúncios recentes que proporcionaram algum alívio ainda que tardio, precisamos de um plano claro de volta à normalidade para criar um impulso positivo. Restabelecer Hong Kong como Região Mundial da Ásia, deveria ser o objetivo daqui para frente”.
A pesquisa realizada entre janeiro e fevereiro de 2022, ocorreu quando o novo surto ganhou ritmo e as restrições ficaram mais rígidas. 260 entrevistados em hubs de negócios europeus deixaram patente o descontentamento pela forma que o estado respondeu à crise sanitária. Os porta-vozes do governo não responderam aos questionários. Mas em comentários recentes, a chefe-executiva Carrie Lam, reconheceu que as medidas rigorosas estavam afetando moradores cansados de restrições, além do dano à reputação internacional de Hong Kong.
Hong Kong se transformou em um importante porto comercial ainda nos anos 50, quando também se tornou um grande centro de produção. O território já era popular entre migrantes e dissidentes fugindo da pobreza e do comunismo. De lá pra cá, experimentou décadas de crescimento. No início dos anos 80, quando começava chegar ao fim o prazo de 99 anos para o território ser devolvido ao Estado chinês, ingleses e chineses iniciaram as negociações que incluíam a transição e o status que Hong Kong passaria a ter, preservando o centro financeiro.
O acordo de 1984, conciliou a devolução de Hong Kong para os chineses já em 1997 sob o princípio de “um país, dois sistemas”. Hong Kong seria reintegrado à República Democrática da China, mas com alto grau de autonomia, exceto para assuntos estrangeiros e de defesa”, por mais 50 anos. Hong Kong tem seu próprio “sistema legal e de fronteiras”, além de ter a “liberdade de expressão” protegida por lei. É um dos poucos lugares da China que as pessoas podem relembrar da repressão na Praça Tiananmen, em Pequim/1989.
Os honcongueses desfrutam de liberdades nunca vistas na China continental, mas fica evidente que elas entraram em declínio nos últimos anos. Grupos de direitos humanos acusam a China de descumprir o acordo, citando decisões ilegais e a desqualificação dos legisladores pró-democracia. Artistas e intelectuais sofrem pressão para se auto censurarem. Um jornalista do Financial Times foi impedido de entrar em Hong Kong por organizar eventos pró-independência. A forma de eleição do chefe executivo foi modificada.
A mini-constituição de Hong Kong, a Lei Básica, diz que a região deve eleger seu líder de forma democrática mas há um desacordo sobre como isso deve ocorrer. Parece que tudo em Hong Kong está diferente. Os eleitores passaram a ter seus líderes aprovados por um comitê de pró-Pequim. Os críticos chamam os novos protocolos de “falsa democracia”. A abertura política foi recusada pelos “legisladores”. Em 2047, a Lei Básica expira. Se esse for o caminho, Hong Kong poderá retroceder aos tempos da Guerra do Ópio.
Tian Tan Buddah (Giant Buddah)
A maioria das pessoas de Hong Kong não se identificam como chinesas
Embora Hong Kong seja parte da China, a maioria dos cidadãos não se identifica com o modo de vida chinês. Pesquisas da Universidade de Hong Kong mostram que a maior parte dos locais se identificam como “Hong Kongers” e apenas 15% se dizem “chineses”. A diferença é maior para os jovens. Uma pesquisa de 2017 sugere que só 3% das pessoas de HK entre 18 e 29 anos se autodenomina chinesa.
A Lei Básica de Hong Kong tem prazo para expirar e ninguém sabe o que virá depois. Os honconguêses descrevem diferenças legais, sociais e culturais, além do fato do território ter sido uma colônia separada da China por 150 anos, razões pelas quais os habitantes da Ilha se identificam muito mais com a cultura ocidental e os hábitos britânicos do que o totalitarismo e a rigidez da China continental.
Alguns ativistas sugerem que a independência de Hong Kong seria a única solução possível para solucionar o problema, algo que alarma Pequim. Os manifestantes pensam que se a Lei de Extradição tivesse sido aprovada ( autorização para extraditar qualquer cidadão por motivos políticos), transformaria Hong Kong em uma cidade chinesa como outra qualquer, sem liberdade e sem graça.
Tradição de protestos
Em dezembro de 2014, quando a polícia desmantelou um protesto pró-democracia no centro de Hong Kong, os manifestantes gritavam: “Nós voltaremos”. Os protestos não surpreendem. Há uma história longa de divergências em Hong Kong depois que a Star Ferry Company, a cia. de serviços de balsa de passageiros e turismo de Hong Kong que decidiu aumentar suas tarifas.
Os protestos se transformaram em um tumulto generalizado, com toque de recolher e milhares de soldados tomaram as ruas. Vários outros protestos passaram a ocorrer a partir de 1997 mas agora, as pautas políticas tendem a crescer com manifestações contra a China continental. Embora os cidadãos de Hong Kong tenham certa autonomia, eles têm pouca liberdade nas urnas.
Isso significa que os protestos são, na verdade, uma das poucas maneiras pelas quais eles podem opinar. Houve grandes manifestações também em 2003 que reuniram meio milhão de pessoas levando ao fim um polêmico projeto de segurança. Também são tradicionais as passeatas anuais pelo sufrágio universal e os memoriais pela repressão na Praça Tiananmen.
As manifestações de 2014 duraram semanas. Os cidadãos de Hong Kong exigiram o direito de eleger seu próprio líder. Mas o “Movimento dos Guarda-Chuvas” fracassou em suas reivindicações, sem concessões de Pequim. Há o pressentimento de que as instituições financeiras estão perdendo as esperanças e que Hong Kong possa entrar para sempre num isolamento político e social.
5 diferenças entre Hong Kong e China
Hong Kong está em contagem regressiva para 2047. Durante um século e meio, o território foi colônia britânica. Foi devolvido à China em 1997, quando o território passou a ter o status de região administrativa especial da China. Na época, ficou pactuado o grau de elevada autonomia ao seu sistema político, aos seus valores sociais ocidentalizados e à sua estrutura econômica. A exceção seriam: área de defesa e relações exteriores, de controle chinês.
Mas na prática ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. Há diferentes cenários possíveis. Além de passar a ser controlada integralmente pela China, discute-se também a possibilidade de se estender o prazo e assegurar a independência total de Hong Kong, ou até mesmo firmar novos termos com a China para uma solução intermediária. Mas em 2014, a China publicou um documento oficial, chamado Livro Branco sobre Hong Kong.
O “Livro” assinala que o objetivo é a “reunificação do continente” e diz que o território tem autonomia sobre assuntos locais, “desde de que tenha a permissão do poder central”. Analistas internacionais advertem que o poder que Pequim tenta exercer sobre Hong Kong está cada vez mais acentuado, impulsionando um processo de homogeneização social como tentativa de diminuir as diferenças existentes entre Hong Kong e a China continental.
1. Sistema político
Assembleia Legislativa de Hong Kong
A República Popular da China é um Estado socialista comandado por um único partido, o Partido Comunista Chinês, ainda que existam outros partidos no país. Segundo o estatuto do Partido Comunista, 90 milhões de filiados selecionam 2.300 delegados que votam nos 200 membros do comitê central. Esse comitê elege o Politburo com 25 integrantes. O comitê permanente tem de cinco à nove membros e o secretário-geral é o líder do partido.
Desde 2012, esse posto é ocupado por Xi Jinping, presidente da China desde 2013. Ele também é o presidente de Hong Kong, ainda que o território tenha seu próprio governo. O chefe do executivo local agora é eleito por votação secreta pelo comitê de 1.200 pessoas escolhidas pelo governo central. O mandato de cinco anos pode ser renovado por dois mandatos. Desde 2017, a chefe do governo é Carrie Lam que condena a violência dos protestos.
Além do chefe do executivo, existe a Assembleia Legislativa de Hong Kong com 70 integrantes que inclui políticos, empresários, sindicalistas, professores, líderes religiosos e outros, eleitos por residentes com mais de 18 anos. Metade das vagas é ocupada por representantes regionais e a outra metade por representantes de empresas ou associações. Ainda que Hong Kong não seja uma democracia plena, a Assembleia eleita é bem diversificada.
2. Sistema judicial
O sistema legal de Hong Kong é bastante distinto do modelo continental chinês. Ele se assemelha bastante ao sistema britânico, em que a transparência e a independência dos processos judiciais são prerrogativas previstas em lei. O sistema judiciário honconguês está institucionalizado pela Lei Básica, uma espécie de carta constitucional do território semi autônomo.
O Partido Comunista controla todos os aspectos do processo judicial e críticos, mas na verdade é um sistema corrupto que não oferece garantias mínimas aos réus e à sociedade. A Lei Básica está subordinada ao comitê permanente do Congresso Nacional da China que tem poder de emitir a interpretação final e vinculante das leis. A independência do sistema não é garantida já que Pequim dá a última palavra.
3. Direitos civis
Ainda que Pequim tenha o poder de intervir na legislação de Hong Kong, os cidadãos do território têm uma série de liberdades civis exclusivas, diferente do resto da China, como liberdade de imprensa, de associação e de expressão. No entanto, os últimos anos colocaram em xeque essas prerrogativas com a prisão de ativistas sociais, medidas restritivas e o direito às manifestações pró-democracia.
Já em 2014, líderes estudantis foram detidos e acusados de traição por terem participado da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, que ganhou o nome em referência aos objetos utilizados como proteção ao gás lacrimogêneo lançado pelas forças de segurança. Estudantes foram às ruas contra a decisão de Pequim de fazer uma reforma educacional na qual se exaltavam os valores comunistas.
Professores, intelectuais, estudantes e líderes do movimento foram detidos. Livreiros foram considerados “subversivos”, inclusive com o fechamento de livrarias por editar, publicar e/ou vender obras de conteúdos críticos ao regime e ao PC chinês. Ainda que o bem estar e o clima político de Hong Kong sejam infimamente mais liberais do que a China continental, Hong Kong não é mais a mesma.
As redes sociais como Facebook, Twitter, WhatsApp são permitidas sem restrições. Os cidadãos de Hong Kong ainda têm passaportes diferente dos chineses, que permitem viajar para a maioria dos países do mundo, entre eles os EUA e os países da União Europeia, sem a necessidade de visto. Mas Hong Kong está se tornou um contra ponto para a China. Resta saber até quando esse embate vai durar.
4. Economia
Mercado de rua em Kowloon, Hong Kong
O modelo criado: “um país, dois sistemas” permite que Hong Kong conviva paradoxalmente com o socialismo e o capitalismo ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Dessa forma, enquanto as empresas da China são regidas por um sistema comunista, controlados em sua maior parte pelo Estado, Hong Kong tem um sistema livre de mercado, funcional e semelhante ao modelo ocidental.
A China não interfere nas leis fiscais da região administrativa e também não cobra impostos. A economia chinesa, assim como a de outros países em desenvolvimento, depende principalmente da produção de matéria-prima e produtos manufaturados. Hong Kong baseia sua economia nos setor de serviços e finanças. As moedas são distintas. Na China o renminbi, em Hong Kong o dólar hongonguês.
Em 2019, os manifestantes foram às ruas protestar contra a interferência chinesa. A moeda de Hong Kong opera num câmbio vinculado ao dólar dos EUA e se submete às regras do mercado internacional, algo que não acontece com a moeda chinesa. A economia local é reconhecida por impostos baixos, livre comércio e pequena interferência de autoridades governamentais em atividades empresariais.
5. Idioma
Sarau de palavras
A China continental e Hong Kong não falam a mesma língua. O idioma oficial da China é o mandarim. No entanto, existem no país uma série de dialetos e outros idiomas, entre eles o cantonês que é falado em Hong Kong. O mandarim contudo, é ensinado em todas as escolas, inclusive em Hong Kong. Mas no dia-a-dia, tanto nas ruas quanto no trabalho, o cantonês é a língua mais falada.
O inglês também é muito usado, em especial em placas de sinalização, nas ruas e nos transportes coletivos. A forma das palavras escritas nos dois lugares também difere. A China continental usa uma forma simplificada que elimina traços e caracteres sob o argumento de que melhora os índices de alfabetização. Em Hong Kong, é adotada a forma tradicional com maior variedade de caracteres e traços.
Segundo o serviço chinês da BBC News, a diferença mais importante entre China e Hong Kong é a forma de pensar das pessoas. Hong Kong é muito influenciada pela cultura britânica e, por isso, as pessoas lá defendem de forma incisiva seus direitos. Dessa forma são muito mais abertas a expressarem a sua opinião, a sua individualidade e a sua maneira de pensar.
A maioria da população mais jovens de Hong Kong não se identifica a China. A Terra de Mao Tse Tung é considerada um problema mas muita gente prefere passar despercebida por isso. Ainda que a maioria das pessoas em Hong Kong tenham origem chinesa e o território pertença à China, a maioria não se identifica com os valores chineses e suas políticas populistas .
O Porto Perfumado
Movimentada, cosmopolita, exótica e plural. Essa é Hong Kong, a ilha do sudeste da China que tem uma das maiores densidade demográfica do mundo. A cidade é uma mistura das tradições orientais com a modernidade europeia, fruto da colonização inglesa presente por 156. Após a devolução do território, em 1997, Hong Kong se tornou uma região administrativa chinesa e permanece com a fama de um dos maiores centros financeiros da Ásia. Hong Kong, em chinês significa porto aromático, das especiarias ou perfumado, em cantonês. Embora não seja completamente livre da China, a ilha tem moeda própria, governo próprio, leis próprias e duas línguas oficiais. HK é capitalista e não há limitação à internet.
A cidade-estado tem pouco mais de 1.104 quilômetros quadrados e cerca de 40% de seu território é destinado a parques e reservas naturais. Pela falta de espaço, Hong Kong cresceu para o alto e construiu uma infinidade de arranha-céus. Moradias, shoppings, restaurantes, lojas e escritórios estão nos edifícios cada vez mais altos e, eventualmente também para baixo. Outro campo que precisou se desenvolver foram os transportes. A cidade conta com um excepcional sistema de transportes público e privado. Há um excelente sistema de metroviário fácil de usar e outras modalidades que incluem carro, ónibus, trem, barca, uber, túnel, bonde, bike e até o tradicional double-decker bus britânico.
Andando pelas ruas fica evidente a herança chinesa. Mais de 90% da população é etnicamente chinesa, mas também fica claro que Hong Kong é uma cidade global, moderna, com redes de hotéis, cafés, restaurantes internacionais e lojas de marcas estrangeiras. O Comércio em Hong Kong parece ser um esporte. Há mercados populares para tudo: peixes, pássaros, flores, comida ou bugigangas. A quantidade de produtos importados chama muito a atenção. A cidade lembra demais o astral novaiorquino com bares, baladas e uma juventude vibrante além de desfiles de moda e os shoppings com lojas de alta costura e marcas como Chanel, Prada, Louis Vuitton e outras…
Vale a pena tirar um tempo para admirar os arranha-céus, visitar o Buddha Gigante em Lantau Island, conhecer o templo Man Mo, passear pelas ruas de Kowloon, entrar nos shoppings da Causeway Bay e experimentar o dim dum, prato nacional que sempre é uma ótima opção nos cardápios. No fim da tarde, a melhor pedida é mesmo subir oVictoria Peak, a principal atração da cidade, e assistir ao por-do-sol refletindo nas centenas de arranha-céus que se iluminam quando chega noite . Moderna, fervilhante e diferente, Hong Kong provoca um choque cultural nos visitantes, misturando a sabedoria oriental à diversidade ocidental. É uma das capitais culturais do mundo moderno.
Comida de rua em Hong Kong
Lei de Base
Em 2019, as manifestações começaram depois que Carrie Lam apresentou um projeto de lei que autorizava a justiça local a deportar cidadãos condenados em países com os quais Hong Kong não tem acordo de extradição, especialmente Macau, Taiwan… e a China continental. O pretexto era permitir a liberação de acusados por crimes graves, como o caso de um cidadão de Hong Kong acusado de assassinato em Taiwan. Na prática, a população viu no projeto a possibilidade do governo autorizar a detenção de dissidentes políticos para serem enviados à China.
O temor tem fundamento em acontecimentos recentes como o desaparecimento de editores envolvidos na produção e divulgação de livros contrários ao regime chinês . Vários deles reapareceram depois de algum tempo em território chinês, onde permanecem presos por um governo que permite que todo detento seja mantido incomunicável e em lugar não informado por um prazo de seis meses. Uma verdadeira violação aos direitos humanos e os protocolos das entidades que balizam o direito internacional.
Protestos marcaram o aniversário da devolução do território à China
Depois das primeiras manifestações, Carrie Lam anunciou que estava suspendendo a apresentação do projeto. Não foi o suficiente. Ela não desistiu da iniciativa, apenas protelou sua negociação por tempo indeterminado. O passo seguinte foi a população sair às ruas para pedir a demissão da chefe do executivo, alinhada aos interesses chineses. Libertado da prisão, onde estava desde maio, o mais famoso líder dos protestos de 2014, Joshua Wong, se juntou aos manifestantes.
Se nos primeiros dias, os manifestantes iam às ruas vestindo branco, eles trocariam então para o preto. Por outro lado, a polícia foi agindo de forma mais contida do que na primeira manifestação, que acabou com dezenas de feridos em cenas deploráveis de violência contra manifestantes. O governo chinês manifestou apoio a Lam e não deu nenhuma sinalização de mudança no governo. Os jornais pró-PC Chinês vêm sugeriu que a culpa das agitações era da influência ocidental e da “guerra comercial” China & Estados Unidos.
Invasão ao Parlamento de Hong Kong – 01/07/2019
Mas por que os chineses interferem tanto nos assuntos de Hong Kong? A proximidade geográfica e a história ajudam a entender essa relação tensa entre o país de 1,3 bilhão de habitantes e um território autônomo com mais de 7 milhões de pessoas. Uma vez feita a transferência de soberania, os britânicos deixaram na ex-colônia suas organizações e mecanismos que lhes permitem pelo menos em parte, manter e estender o apoio à sua cultura e o suporte ideológico-financeiro que tem origem na Guerra Fria.
A campanha de protestos em Hong Kong foi alimentada por voluntários que organizaram centenas de grupos pelo Telegram. A estratégia levou mais de 2 milhões às ruas. Muitas das convocações foram feitas anonimamente em conversas em grupos de aplicativos de mensagens criptografadas. Alguns tinham mais de 70.000 assinantes ativos. Muitos forneciam atualizações e relatórios em tempo real aos protestos, enquanto outros atuam como alerta de movimentação da polícia, avisando os manifestantes de atividades nas proximidades.
Manifestantes equipados com capacetes e máscaras de gás
Haviam também grupos menores formados por advogados, socorristas e médicos. Eles forneciam instrução jurídica e obtinham os suprimentos para os manifestantes na linha de frente. A coordenação on-line dos protestos ofereceu uma maneira instantânea de divulgar informações. Os chats permitiram que os participantes votassem para decidir os próximos passos. Grupos de ativistas anônimos arrecadaram mais de meio milhão de dólares em sites de crowdfunding. Manifestantes também afirmaram que a tecnologia transformou os protestos em um movimento sem líderes.
Os protestos refletem a transformação da identidade de Hong Kong
A China tolerou o acordo na primeira década mas, em seguida iniciou um processo de erosão de direitos e liberdades, explicitado no tal Livro Branco publicado em 2014. “Nesse documento estratégico, o Partido Comunista da China deixaria claro o verdadeiro ponto de vista sobre o funcionamento do modelo : “um país, dois sistemas”, explica Antony Dapiran, advogado, residente em Hong Kong e autor do livro City of Protest: A Recent History of Dissent in Hong Kong .
“A linguagem empregada é bem restrita e priorizava um país “acima dos dois sistemas”. Fica claro que Pequim assumiu o botão de controle.” No mesmo ano se desencadeou a revolução dos guarda-chuvas, que bloqueou o centro da cidade por meses, exigindo a instauração do sufrágio universal efetivo, ao invés do chefe de governo ser escolhido pelo Partido Comunista chinês.
Pequim formatou a base retórica para uma ação direta, ao se referir aos protestos como terrorismo. A repressão aos protestos da Praça Tiananmen em 1989, foi o último desafio social em que o PC Chinês enfrentou seus milhares de mortos ainda presentes na memória coletiva. “A intervenção do Exército foi muito traumática e os honcongueses a viram como uma invasão”, diz o jornalista Willy Lam.
Apesar do pequeno percentual que sua economia representa em relação à China, Hong Kong ainda é o enclave onde a China encontra o mundo. Mais de 60% dos investimentos estrangeiros diretos chegam ao continente, através da ilha. Isto é possível graças à política promulgada pelo Congresso dos EUA em 1992, pela qual Hong Kong foi reconhecida como território independente, com todos os direitos de economia aberta.
A retirada desta normativa representaria um movimento de grande profundidade, pois forçaria o sistema chinês a se reformar. “Portanto, não acredito que a China vá empregar as forças armadas, mas optará por mobilizar a polícia paramilitar da província vizinha de Guangdong: esses agentes falam cantonês e usarão o uniforme da polícia de Hong Kong para passar despercebidos.”
Two International Finance Centre
“O contrato social chinês não funcionará em Hong Kong”, acrescenta Lam. “A absorção total chegará antes de 2047. O primeiro passo será aumentar a imigração chinesa. Dos atuais 7,5 milhões de habitantes de Hong Kong, 1,8 milhão já são cidadãos chineses. Esta cifra continuará a crescer até os 3,5 milhões, alterando o tecido social. É a mesma solução que Pequim usou em Xinjiang e no Tibete.
“Haverá um êxodo em massa de cidadãos de Hong Kong. A repressão vai aumentar e Hong Kong se tornará uma cidade chinesa.” “Vimos nos últimos cinco anos muitos passos adiante neste caminho: : 2 milhões de pessoas nas ruas, detenções, retaliações, instabilidade social, ocupação do Parlamento e a primeira greve geral em cinco décadas se tornar uma batalha campal”.
O gatilho foi a proposta de uma lei de extradição que permitiria que cidadãos de Hong Kong fossem julgados em solo continental, onde o mandato do PC chinês se sobrepõe à lei, como a tudo mais. “Para os manifestantes, é uma batalha pela liberdade; para o governo chinês é uma batalha pelo controle ”, conclui Willy Lam, também professor de História e Economia da Universidade Chinesa de Hong Kong.
O tempo joga contra Hong Kong. Quanto mais a China cresce, maior é a sombra sobre a ex-colônia. Nos acordos de transição, a China ainda era um país pobre. Em 1993, Hong Kong respondia por 27% do PIB chinês. Esse percentual foi sendo reduzido até chegar a 3% do PIB chinês. “Hoje, a cidade fatura com os investimentos, os turistas e às empresas chinesas.
“Os centros urbanos chineses também se transformaram: Pequim, Xangai, Shenzhen e Guangzhou não devem mais nada à Hong Kong”, diz Dapiran. A identidade mudou. “A cidade não é mais construída em torno da sua modernidade e prosperidade, mas de ser um povo livre”.“O que os torna especiais são os seus direitos e a liberdade, algo que a maior parte da Ásia não desfruta, mas que para um “Hong Konger” é fonte de orgulho e personalidade.”
Países reagem à nova lei de Hong Kong e ativistas veem era sombria à frente
A nova lei de segurança nacional horas após aprovação pela China
Mais de 80% das empresas americanas em Hong Kong alegaram terem sido impactadas pela lei de segurança nacional. Conforme relatório da Câmara Americana de Comércio que viu o moral dos seus funcionários atingidos, muitos colaboradores estão propensos a emigrar pelas novas condições sociais da Ilha. A nova lei confirmou os piores temores da oposição à Pequim, levada a uma ampla condenação internacional.
O texto elaborado no fim de maio pelo Congresso Nacional do Povo chinês assumiu o que considera “crimes contra a segurança nacional”: secessão, terrorismo, subversão e conluio com forças estrangeiras. O presidente Xi Jinping sancionou o voto unânime dos 162 delegados do Congresso reunidos, foi anexado à Lei Básica de Hong Kong. Simples assim.
“Estamos entrando numa longa e sombria era de arbítrio e repressão política. Ninguém viu o texto antes da aprovação”, disse à reportagem Eddie Chu, deputado oposicionista no Conselho Legislativo local. Todos os crimes são puníveis com prisão perpétua. O ato foi visto como uma interferência do Partido Comunista Chinês nos assuntos do Território Autônomo de Hong Kong. A morte é a pena prevista.
Para o deputado, Pequim buscará restringir sua ação inicial a algumas figuras, sem criminalizar os partidos de oposição, para amenizar as críticas externas. “Ao longo prazo, o que vai acontecer dependerá da vontade do Partido Comunista Chinês de suprimir o campo democrático e o quanto de autocensura nós faremos de forma passiva”.
Chu cita como alvos o ativista Joshua Wong e o empresário Jimmy Lai, com conexões em Washington e detido recentemente. Wong postou: “uma era de terror está começando” e prometeu resistência. Ele fechou o escritório do seu movimento ativista Demosisto. Outros grupos fazem o mesmo, deletando contas em redes sociais e prometendo agir a partir de outros países como Taiwan.
Baía de Hong Kong
Chu e Wong afirmam que tentarão manter o tradicional protesto de 1º de julho em referência ao Massacre de Tiananmen. O evento foi banido nos últimos anos sob a alegação de risco de contaminação do Covid -19, mas isso não os fez parar. Ao longo dos Jogos de Inverno de Pequim, Hong Kong foi sacudida por uma série de protestos contra a falta de liberdade e o descumprimento dos tratados de transição de Hong Kong .
A decepção atingiu em cheio à comunidade internacional do território. Veículos de comunicação e ONGs estrangeiras receberão “reforço de gestão”, semelhante ao que aconteceu desde 2014 na Rússia. Companhias multinacionais podem ser punidas caso apoiem causas pró-democracia. Os rumos do processo de transição e o autoritarismo chinês frustraram a comunidade empresarial.
O chanceler britânico Dominic Raab, falou que a China violou o tratado internacional quando recebeu Hong Kong de volta e que “não viraria as costas” para o território. O primeiro-ministro Boris Johnson prometeu abrir as portas para a imigração em massa de até 3 milhões de pessoas. . Numa visão mais realista depois disse que avaliava as retaliações da nova lei.
As críticas à Lei foram levadas à Comissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra por 27 países. A maioria dos países da União Europeia e também países como Japão, Austrália e Nova Zelândia rechaçaram a maneira com que a China continental impõe novas leis e regras que não estavam no roteiro original do acordo de devolução do Território baseado em “um país, dois sistemas”.
Mas nada parece demover a China que considera Hong Kong uma questão doméstica. Na concepção de Pequim, os protestos foram fomentados por organizações externas e as comunidades de negócios locais que não apoiam a paralisia que eles trouxeram. “Essa lei vai ser uma espada afiada sobre uma minoria que coloca a segurança nacional em perigo”. Nota do escritório para Hong Kong e Macau-Agência Xinhua.
Novo chefe executivo John Lee
John Lee, viajou à Pequim para receber a bênção do governo central enquanto se prepara para assumir o cargo em um mês. Lee, um ex-chefe de segurança de 64 anos supervisionou a repressão de 2019 nos protestos pró-democracia. Ele foi escolhido no início de maio como o novo chefe executivo por um comitê chinês. Lee foi o único candidato com 99% dos votos, após a China mudar o sistema eleitoral de Hong Kong, em 2021.
Lee se encontrará com o presidente Xi Jinping, quando apresentará uma lista de providências. Ele será obrigado a ficar em quarentena e não poderá se reunir com pessoas fora do círculo oficial. Ele assume em 1º de julho, 25º aniversário da transição de Hong Kong. Não foi confirmado se Xi estará presente. Em julho de 2017, Xi participou da posse de Carrie Lam. A visita provocou uma série de protestos que muito provavelmente, não se repetirão este ano.
DNA de HONG KONG
Guerra Rússia x Ucrânia
A China vem testemunhado uma retirada de dinheiro do país em uma escala sem precedentes ”, por parte de investidores. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia no final de fevereiro, houve uma mudança “muito incomum ” nos fluxos globais de capital em mercados emergentes, de acordo com o Institute of International Finance. Os relatórios de alta frequência detectaram grandes saídas de portfólio de ações e títulos chineses, mesmo com a manutenção dos fluxos para outros mercados emergentes, segundo o IIF.
“As saídas da China na intensidade que estamos assistindo são sem precedentes, especialmente porque não estamos vendo saídas semelhantes no resto dos mercados emergentes”, relataram o economista-chefe Robin Brooks e seus colegas. “O momento das saídas que ocorreram após a invasão da Ucrânia pela Rússia sugere que os investidores estrangeiros podem estar olhando para a China sob uma nova ótica, embora seja prematuro tirar conclusões definitivas a esse respeito.”
Dados oficiais mostraram que os investidores estrangeiros reduziram suas participações em títulos do governo chinês pela maior quantidade já registrada em fevereiro, em parte porque a guerra na Ucrânia estimulou resgates entre investidores globais de renda fixa. As sanções congelaram as reservas estrangeiras do banco central russo em euros e dólares, levando à especulação de que Moscou pode vender sua participação em ativos chineses para arrecadar fundos.
O mercado de ações chinês também caiu no início deste mês com a retirada de investidores estrangeiros, em parte devido às preocupações de que as sanções dos EUA, da União Europeia e seus aliados contra em à Rússia, possam de alguma forma se espalhar para a China. O mercado de ações vem se recuperando aos poucos na medida em que os formuladores de políticas cambiais e de investimentos passem a ativar outros produtos para apoiar os mercados de capitais.
Padhraic Garvey, chefe de dívida global e estratégia de taxas do ING Financial Markets, disse que é muito cedo para dizer se é uma tendência. As saídas podem indicar que alguns investidores decidiram não reinvestir recursos em títulos até que haja mais clareza sobre o estrago das sanções contra a Rússia. “Esses fluxos são impulsionados por resgates que não correspondem à dinheiro novo. É necessário um fluxo constante de dinheiro novo para permanecer investido, principalmente em títulos”. “Os fluxos podem ser retomados.”Concluiu Garvey.
Sam Lee
Political Science and Economics, University of California-Berkeley
Por que Hong Kong não é mais especial?
Primeiro de tudo, eu nasci em Hong Kong, vivi a maior parte da minha infância naquele lugar antes de meus pais imigrarem para os Estados Unidos. Eu ainda tenho parentes e amigos na cidade e os visito todos os anos. Eu falo cantonês fluente, embora hoje em dia as senhoras que vendem mercadorias nas bancas de rua não conseguem mais perceber que eu sou um local pois não sou fluente nas gírias do lugar e as minhas pronúncias provavelmente já estão um pouco enferrujadas…
Então, o que quero dizer com Hong Kong não ser mais especial? Acho que deveríamos fazer a pergunta de forma diferente. Ao invés de perguntar por que Hong Kong está morrendo (o que eu não concordo), a melhor pergunta a ser feita é ” Por que Hong Kong foi tão bem sucedida nos últimos 100 anos? “ Há 150 anos uma vila de pescadores se tornou um centro cultural e financeiro e uma das cidades mais espetaculares do mundo?
A narrativa tradicional era que Hong Kong se tornou o que é hoje, devido ao seu estratégico porto natural e ao estado de direito britânico. Mas estamos ignorando muitas outras razões externas que fizeram com que Hong Kong fosse especial. Ou seja, o fato de que o restante da Ásia ficou estagnado por quase meio século. Se você quer fazer negócios com a China, você entra no porto em Xangai. Xangai é a cidade mais cosmopolita e sofisticada da China, é assim há séculos.
A Segunda Guerra Mundial destruiu grande parte da China, e quando o regime comunista assumiu, Xangai não era mais acessível aos ocidentais. Hong Kong tornou-se então o único ponto de presença no mundo de fala chinesa onde se poderia fazer negócios juntamente ao fato de que, nos primeiros dias do pós-guerra, não haviam muitas alternativas a leste e norte de Cingapura, Taiwan era uma vila, o Japão estava arrasado e as Coréias eram um terreno baldio governado por ditaduras .
Hong Kong e Cingapura tornaram-se os únicos lugares para investir e fazer negócios ao leste da Ásia. Hong Kong se tornou rica e glamourosa pois, durante mais de 50 anos foi o único canal para a China. Virou uma cidade portuária padrão quando não havia competição. Ficou rica, primeiro através do comércio e depois da fabricação de produtos e, finalmente, quando a China começou se abrir, Hong Kong virou o intermediário perfeito para a entrada da China nos mercados financeiros mundiais.
Essas vantagens desapareceram uma a uma desde 1997. Embora Hong Kong ainda seja um importante porto de embarque, ela não é mais competitiva. Outras cidades portuárias na China e de outros países competem pelo mesmo negócio. A indústria de produção já se foi há tempos e, desde a abertura da China, Xangai se reafirmou como capital financeira da China. Em oportunidades de investimento, você ainda tem Tóquio, Seul e Taipé onde as finanças fluem livremente.
Hong Kong não está morrendo, mas perdeu competitividade e deve se adaptar à nova realidade. A cidade tem uma força de trabalho sofisticada e instruída, o mercado financeiro mais maduro da Ásia e uma metrópole que é e continuará sendo um importante destino para as pessoas que migram. Hong Kong vai mudar, mas nunca voltará a ser uma pacata vila de pescadores. Ela continuará sendo econômica e culturalmente relevante para o Leste Asiático, mas simplesmente não será mais “a única”.