Há quem não ligue, há quem se importe muito, há quem assista só por tabela ou quem fique triste aos domingos porque não têm. Mas eu, pessoalmente, preciso admitir: Sou noveleira, sim!
A primeira novela no Brasil estreou em 1951, exibida pela TV Tupi com o título: “Sua vida me pertence”. Desde então, o gênero veio numa crescente e tornou o Brasil referência para esse tipo de produção.
As novelas ganharam os corações brasileiros, lançaram moda, marcaram época, misturaram culturas, trouxeram novas formas de pensar e de falar. Gostemos ou não, mas a influência dos folhetins é escancarada na forma de viver do brasileiro. A gente se apega, vibra pelo personagem, pega raiva, toma partido, choramos quando morrem, nos emocionamos quando casam. E por quê?
Porque, na verdade, a arte imita a vida. A gente não gosta apenas por gostar. É um processo de identificação. Vemos um pouco da gente naquela família, naquela filha, naquela mãe, naquele pai, naquele amor impossível. Ou um pouco da nossa perversidade naquele vilão, mesmo sabendo que o nosso bom senso jamais nos permitiria aquela atitude.
A primeira novela que chamou minha atenção foi “Terra Nostra”, que estreou em 1999, na TV Globo. Na época eu tinha 5 anos de idade e eu não tirava os olhos da TV. Consigo lembrar da minha ansiedade pra acabar logo o Jornal Nacional e da minha alegria quando começava a vinheta de abertura da novela. Hoje, adulta, entendo que eu tinha razões pra gostar. Eu gostava porque sou descendente de uma família de imigrantes italianos e aquela trama ilustrava exatamente todas as histórias que meu pai fazia questão de me contar sobre a vinda da nossa família pro Brasil, assim como na novela, no final do século XIX.
Ana Paula Arósio como Giuliana em ‘Terra Nostra’ (Foto: Globo/Reprodução)
Assim como aconteceu comigo, a grande paixão do brasileiro pelas produções novelísticas é poder ver um pouquinho da sua própria história sendo contada na TV. Prova disso foi o sucesso de “Avenida Brasil” (TV Globo – 2012). O destaque da novela foi tanto, que chegou a ser assunto da revista Forbes, nos Estados Unidos, sendo citada como a novela mais rentável da história.
Quem nunca olhou pra família do Tufão (personagem de Murilo Benício) e conseguiu ver um pouco da sua família em cada personagem daquele núcleo? Quem nunca viveu um amor reprimido como a Monalisa (interpretada por Heloísa Périssé)? Quem nunca teve o desejo de vingança da Nina (Débora Falabella)? Quem nunca se comoveu com uma criança abandonada na vida real? Quem não se apaixonaria pela Tessália – a menina linda e meiga interpretada por Débora Nascimento? Quem nunca conheceu alguém com a “cara-de-pau” do Cadinho (Alexandre Borges)?
Elenco de Avenida Brasil (Foto: Globo/Reprodução)
A verdade é que “Avenida Brasil” – apesar da licença poética – conseguiu ser extremamente real e cativante em todas as suas narrativas. Conseguiu trazer o público pra dentro da novela e abraçar todas as classes, gêneros e idades. É tão atemporal que se mantém sendo assunto nas redes sociais até hoje, 10 anos depois da primeira exibição.
Outro grande sucesso que se mantém vivo nos corações brasileiros é “Senhora do Destino”. Nazaré (brilhantemente interpretada por Renata Sorrah) se tornou uma das grandes vilãs da história da dramaturgia. Além do senso cômico (apesar de maldoso) que ganhou o público, ela mexeu com uma família que traz grandes referências da sociedade real brasileira. “Senhora do Destino” trouxe às telas a luta de uma mulher nordestina, mãe solo de 5 filhos que chega à região sudeste em busca de uma vida melhor. Tendo sua filha caçula roubada por Nazaré, ela trava uma briga para reencontrá-la ao mesmo tempo em que cuidas das outras 4 crianças e trabalha para alimentá-las. Mais uma vez – apesar da licença poética – a trama é a cara do Brasil. Quantas mães, quantas mulheres, quantos nordestinos e nordestinas não viram suas histórias sendo contadas por essa novela?
Susana Vieira, Carolina Dieckmann e Renata Sorrah em Senhora do Destino, 2004 — Foto: João Miguel Júnior/Globo
Trago ainda a lembrança de “Por Amor” (TV Globo – 1997), grande sucesso do autor Manoel Carlos que mexeu com os nossos corações. A história central é a de uma mãe, Helena (personagem de Regina Duarte), que engravida ao mesmo tempo que sua única filha, Eduarda (Gabriela Duarte). As duas têm seus partos feitos no mesmo dia, mas o filho de Eduarda vem a óbito poucas horas depois. Sem a filha e a família saberem, Helena coloca seu bebê vivo no lugar do neto morto, a fim de evitar o sofrimento da filha.
Essa trama dividiu opiniões. Helena foi uma personagem muito julgada. Mas a razão do sucesso da novela estava justamente aí: nas relações familiares e seus entraves. Qual é a mãe que, ao menos num impulso, não pensaria em dar qualquer coisa pela felicidade de seu filho?
Pôster de “Por Amor” (Foto: Globo/Reprodução)
Mudando um pouco de assunto, vamos falar agora das influências culturais das novelas na vida das pessoas. As expressões que caem na boca do povo, as modas lançadas, os acessórios que viraram febres nas lojas.
Vou começar pela Dona Jura, personagem de “O Clone” (TV Globo – 2001), que lançou o bordão “Não é brinquedo, não!” e ganhou a boca e o coração da galera. Dona Jura – interpretada por Solange Couto – é a clássica representante da mulher brasileira: trabalhadora, mãe solo, não leva desaforo pra casa, compra qualquer briga pelo filho e tem muito orgulho de suas origens.
Solange Couto como Dona Jura em ‘O Clone’ Reprodução TV Globo/Divulgação
Também em “O Clone”, tivemos inúmeras influências da cultura árabe, já que parte da novela se passava no Marrocos. Foi uma verdadeira febre de saias longas, lenços e acessórios como o anel-pulseira de Jade – protagonista interpretada por Giovanna Antonelli. Qualquer loja de bijuteria vendia a imitação do acessório usado pela personagem. Todo mundo tinha. Quem não tinha, queria ter.
Giovanna Antonelli como Jade em ‘O Clone’ Reprodução TV Globo/Divulgação
Outra personagem memorável da TV brasileira foi a Márcia de “Chocolate com Pimenta” (TV Globo – 2003), interpretada pela talentosa e versátil Drica Moraes: uma mulher caipira, passando da idade de se casar (pelo ponto de vista das tradições da época) e bastante engajada em encontrar um pretendente que pudesse tirá-la na vida interiorana. Ela caiu nas graças do público com o bordão “Eu sou chique, benhê!”.
Drica Moraes como Márcia em ‘Chocolate com pimenta’ (Foto: Globo/Reprodução)
Atualmente, no remake de “Pantanal” (TV Globo – 2022), temos a misteriosa Juma (interpretada maravilhosamente por Alanis Guillen) – a menina-onça que derrete corações com toda a sua bravura – que já virou até meme nas redes sociais com a fala: “Num vô, num gosto, num quero”. Diz aí, quem nunca teve vontade de recusar um convite com toda essa sinceridade?
Também em “Pantanal”, temos o bordão do protagonista José Leôncio (interpretado por Marcos Palmeira): “Larga mão!” – expressão que o personagem usa pra dizer que não concorda com algo.
E por falar em “Pantanal”, a novela destacou a moda das estampas de onça, fazendo referência à temática pantaneira e à personagem principal – que vira onça quando fica com “reiva”.
“Pantanal” foi a aposta Global que deu certo após alguns anos de baixa na audiência das novelas seguidos por um período improdutivo de pandemia. Que novela, que fotografia, que texto, que verdadeira manifestação artística em todas as esferas! A produção traz diálogos profundos, reflexões sobre as questões mais simples da vida, a preocupação com a natureza e a complexidade das relações humanas. Eu arrisco dizer que a sabedoria do Véio do Rio (personagem de Osmar Prado) mudaria o futuro da humanidade. Essa é a novela que veio trazer a humanidade e a sensibilidade que estamos precisando, cada texto dela é um abraço na alma.
Juma (Alanis Guillen) e Velho do Rio (Osmar Prado) em ‘Pantanal’ (Foto: Globo/Reprodução)
Em pleno 2022, sabemos que todas as ofertas em plataformas de streaming acabam por dividir as atenções de um público que, por longo período, só se viu atraído por tramas novelísticas. Hoje são inúmeras as opções de entretenimento audiovisual. Acredito que tudo tenha seu espaço e acho muito legal conviver com essa gama de ofertas que possibilita tanta inovação cultural. Mas, pessoalmente, admito que não troco as novelas por nada. Vida longa à dramaturgia brasileira!
Gostou do assunto ? Temos dois blogs incríveis relacionados ao mundo das novelas, atores e atrizes e Globo, a primeira escrita por Valdir Lanza com o título ‘A Vênus Platinada‘ , o segundo escrito por Nyna Simões com o título ‘Protagonismo feminino: Quando uma pessoa leva a outra‘.
Uma resposta
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